Arroz, feijão e espião

O noticiário dessa semana trouxe duas notícias que aos olhos do mundo são isoladas, mas para um brasileiro se misturam tão bem quanto arroz e feijão. A primeira é que o Brasil é o país mais miscigenado do mundo (nos diz uma pesquisa da USP) e a segunda é que a Rússia usou o Brasil como fábrica de espiões, de acordo com o NYT. Um brasileiro pode ter qualquer aparência e sequer falar português.

Temos uma cultura antropofágica: engolimos outras culturas. De nossas raízes, criamos religiões brasileiras de matriz africana que são desconhecidas na África. Temperamos o jazz com samba e entregamos ao mundo a bossa nova. Pais portugueses estão estupefatos com o fato de seus filhos preferirem o vocabulário brasileiro – ônibus, grama, geladeira em vez de autocarro, relva, frigorífico – em detrimento do lusitano. Culturalmente estamos transformando Portugual em nossa Guiana.

É por isso que aqui judeus e árabes em vez de rivalizarem, fazem associações comerciais juntos, como a Rua do Saara, versão carioca da paulista 25 de março. A Química nos diz que “semelhante dissolve semelhante”. Se além de árabes e judeus brasileiros somos todos, não há sentido em nos ferimos mutuamente. Nossa miscigenação nos fortalece, Gobineau, não o contrário.

Tudo que o Brasil toca vira brasileiro. Enquanto na Europa mudanças na lei reduzem o alcance da cidadania aos seus descendentes, aqui praticamos dois direitos simples que contaminam com brasilidade a todos:

  • Todo brasileiro tem direito a pais brasileiros.
  • Todo filho de brasileiro, brasileiro também é.

Isso significa que russas que dão a luz em solo brasileiro também se tornam brasileiras e que brasileiras que dão a luz no exterior, independente da localização, criarão mais um CPF na Receita Federal. Por isso te disse antes que há brasileiros que sequer falam português.

A melhor Coreia descobriu isso há anos. Na foto desse post, está o passaporte brasileiro falso de Kim Jong-un. Note a falta do til em “São Paulo” no lugar de nascimento. Com esse passaporte, Kim conheceu a Disneylândia em Tóquio e muito de sua admiração pela cultura estadunidense deve ter vindo desse contato.

Para que o disfarce se sustente, é provável que Kim tenha decorado efemérides brasileiras, como o dia da proclamação da república, os anos que ganhamos copa do mundo ou o refrão de “Evidências”.

Tendo a imaginar que nosso livreto verde com o Brasão da República foi o ingresso para que Kim conhecesse o mundo ocidental e democrático e plantasse no seu coração uma semente pela libertação de seu povo que ainda um dia florescerá. Um dia isso dará samba.

Esse erro ortográfico no passaporte de Kim não escaparia aos gamers do jogo “Papers, Please”. Nele, o jogador é um oficial de imigração e analisa dos documentos de quem quer ingressar no país Arstotzka. Toda sorte de fraude é tentada e em meio a papelada, o jogador tem que avaliar se autoriza ou não o ingresso ao país, sem negar a quem de direito ou permitir que um terrorista passe pelo controle. Recomendo muito o jogo. Glória a Arstotzka!

Por Thiago Ayub

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